Cachoeira

Café das sete
3 min readJul 31, 2023

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foto minha

Sou fruto de uma nascente cheia de incertezas, um excesso de vida selvagem que precisava sobreviver na floresta e na luta cotidiana que cada um travava com si mesmo e com mundo ao redor a gente seguiu feito animal sem bando. De dentro da angústia particular que todos viviam de alguma forma cada um criou seu própio lar. A fim de não ser extinto cada um caçava seu próprio alimento. Eu, me eduquei a sobreviver ali sem ninguém, a gente não era uma manada , a gente era tipo urso, cada um vivendo sua frágil existência e se virando sozinho.

Os anos se passaram e novas crias uniram cada um desses ursos numa mesma história, que não podia mais fugir dos atravessamentos que todos nós temos em comum, cicatrizes iguais, mesmo que os caminhos tenham sido diferentes, é como se marca de fazermos parte da mesma nascente nos guiasse para mesma foz, pra um mesmo rio, poço. Todos no mesmo barco.

Mas, era tarde pra entender, eu já tinha me criado. Eu já tinha construído minha casca de proteção. O amor chega onde tem estrada pra passar, onde tem leito para habitar. Precisa de uma trilha pronta. É um lugar extremamente assustador pra mim, porque é onde você mostra que precisa de alguém, que junto é melhor. E eu me sinto selva inabitada. Sem trilha tracejada. Nessa breve caminhada você precisa estar pronta pra expor as feridas, você precisa: precisar. Não dá pra ser autossuficiente, é necessário a sutileza de não sustentar tudo sozinha, é um poço que tá pertinho, é descer alguns degrais de pedra natural, logo atrás de uma pedra grande. Mas, é complexo entender que atrás daquela pedra, depois daquele degrau existe algo bom. Então, eu olho e flerto com o desejo de ultrapssar aquele limite imaginário, mas não vou.

O amor parece ser grande demais para que eu consiga encontrar uma metáfora que o contemple. Então, escolho detalhes ínfimos que são os que te guardam lá, como alguém perder o rolê da cachoeira pra cuidar quando vc está passando mal. É viver plenamente quinze minutos num abraço aquecido no solzinho que bate na pedra, mesmo que depois tenha que enfrentar aqueles minutos de tensão antes de entrar na água gelada de novo. É aquela mão estendida te encorajando a se molhar na água fria mesmo que vc não esteja pronta pra mergulhar de cabeça, mas sabe que ali tem alguém que espera pacientemente você estar pronta. É ver alguém emanando liberdade e felicidade no poço da cachoirea de água fria e isso te contagiar a sair da pedra e molhar o pé.

É preciso coragem pra amar. É preciso coragem pra se deixar. É coragem que precisa pra se abrir e atravessar aquela pedra grande. Eu costumo ser muito corajosa, dora aventureira. Na cachoeira eu sou a que fica com dedo enrrugado de tanto nadar, que faz trilha sozinha, mesmo que minha imaginação fértil desenhe milhões de cenas castastróficas que podem acontecer. Dou partida no carro e sigo estrada sem olhar para atrás. Subo na bike, sem pensar nos quilomêtros que tenho pela frente. Pulo muro e fico toda arranhada, assim sou eu na vida. Mas, ontem eu pensei por uns segundos, o que falta?

Passei uns bons meses de terapia pensando que eram pessoas, faltavam pessoas. Logo eu, tão feminista depositando meu destino nessa trilha. Mas, ali na cachoeira eu me dei conta, que o que falta é a coragem de assumir que preciso de alguém. É coragem de entender que atravessar essa pedra grande exige que eu abra mão da minha casca de proteção, que eu entenda que ser autossuficiente me leva longe, é bom demais, mas não é suficiente. É entender, que eu não preciso seguir o caminho sozinha, eu posso, mas não preciso e pra isso acontecer minha mão tem que estar disponível pra alguém me ajudar a descer aquele degrau. Ainda que eu consiga descer sozinha.

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Café das sete

Por Helena Merlo. MUITOS erros de digitação pq eu escrevo na fritação do sentimento! CATARSE. "A arte é uma confissão de que a vida não basta" F.Pessoa